(In)decisão

by - maio 03, 2020

Foto "@liança"

 





 Rafael era um rapaz bonito, pacato, honesto, educado, nunca prejudicou a ninguém. Porém, sofria de um mal que o acompanhava desde sempre: a indecisão. Já tinha passado por situações embaraçosas por causa dela.

Certa vez foi convidado para assistir a uma final entre Cruzeiro e Atlético, no Mineirão. Tobias  ̶  seu colega de trabalho  ̶   combinou de esperá-lo no portão principal do estádio, com os ingressos comprados.

Quando Rafa já estava pronto, a sua camiseta rasgou. No armário, tinham outras duas: uma preta e uma azul. “E agora, qual das duas? Eu fico melhor de preto, mas gosto da azul... Qual delas?”

De repente, ele olha o relógio. Descobre que já estava atrasado. Tinha que escolher. Então, a camiseta azul caiu do cabide. “Ah, vai essa mesmo!”

Encontrou Tobias, que o esperava ansioso:

 ̶  Nossa, cara! Achei que você ia me dar o bolo. Comprei duas especiais pra gente torcer pelo meu timão: o Galo!

Foi assim que Rafael se viu em meio à torcida do Atlético, vestido de azul. Um blue sozinho. Ao primeiro gol do Cruzeiro, os torcedores o fulminaram com o olhar. Culpavam a primeira coisa azul que viram, por causa da derrota inicial. O rapaz não suportou a pressão: disse ao colega que iria comprar um pastel e até hoje não voltou. De quebra, ainda escorregou e quebrou o nariz. Por sorte, foi só o nariz...

Desta vez, o temível mal adentrou o seu coração. Ele criou um perfil, numa página de relacionamentos, para encontrar a sua alma gêmea. Escolheu a melhor foto e escreveu coisas lindas sobre si mesmo. Era a personificação do “eu me amo”. “Ninguém vai resistir!”

Somente duas garotas mostraram interesse.

Uma, morena, alta, olhos verdes, modelo. A verdadeira “Vênus de Milo” da nova geração. Seu nome era Mary Ellen, com dois “éles”. Em seu perfil, algumas informações chamavam a atenção:

“Olhos: dois, mais um terceiro olho rosa

Esporte: jetsky, como o céu <3

Prato favorito: lagosta, mas não entendo quem gosta. Eja gusta? Só os espanhóis!!!”

“É, nada é perfeito... Mesmo assim, vou adicionar aos meus interesses.” Pobre Rafa!

A outra moça era Clara, filósofa. Rafael se empolgou com perfil superinteligente. Contudo, perdeu a empolgação quando viu a foto. “O nariz dela parece uma cenoura plantada no meio do rosto, como o Olaf do Frozen. Nada é perfeito, mesmo! Adicionada.”

Inicialmente, era só amizade. Porém, com o tempo, o indeciso Rafa se viu apaixonado pelas duas. “O ideal seria pegar o corpo de uma e colocar, nele, a inteligência da outra. Seria a Mary Clara perfeita! Mas, não posso. Tenho que escolher uma das duas... Qual delas? Qual?”

Uma cintilante ideia lhe veio à mente: “Vou marcar um encontro com as duas naquela rua onde ficam duas cafeterias, uma em cada esquina. Não há nada de mais, não estamos namorando ainda.”

O moço marcou os dois encontros simultaneamente, e levou uma surpresa no bolso da jaqueta: um par de alianças de namoro, parcelada em suaves 24 prestações.

Primeiro, encontrou-se com Mary Ellen. Ela era ainda mais bonita do que na foto. O rapaz disse que iria até o banheiro e foi à outra cafeteria, onde conheceu Clara. Esta era ainda mais inteligente e sábia do que se mostrava no perfil. Também lhe disse que iria ao o banheiro e despistadamente saiu  rumo a um poste que ficava na esquina.

“E agora, qual das duas?” Longe dos olhares das duas garotas, pegou as alianças entre os dedos, respirou fundo e disse a si mesmo: “Pronto, agora eu decido!”

Enquanto olhava as alianças, uma forte ventania ultrapassou a esquina, arrancando-as de seus dedos. Elas rolaram pela calçada e sumiram, dentro de um bueiro. Desesperado e constrangido, correu para casa, deixando as moças à sua espera. Não poderia mais falar com as pretendentes depois disso. Deixou-as no vácuo: sem perfil, mensagens ou telefonemas. Mais uma vez, não decidiu. O destino foi implacável...

Será mesmo ruim o destino para alguém que não sabe o quer? Assim, Rafael finalmente se decidiu: “A partir de hoje vou parar de tentar decidir tudo!”

Então, ele chamou o seu amigo, tempo, para uma longa conversa e tratou de não cometer os mesmos erros. Foi mais feliz, sobretudo depois de pagar a vigésima-quarta prestação das alianças. É, elas sumiram, porém a fatura do cartão de crédito também foi implacável!

  

 




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